domingo, 3 de abril de 2011

Avaliação assistida em crianças com hipotiroidismo congênito


O objetivo deste estudo foi avaliar o funcionamento executivo das crianças com
diagnóstico de hipotiroidismo congênito por meio da avaliação dinâmica
utilizando a resolução de problemas. Os resultados revelaram dificuldade em
integrar, categorizar e estabelecer a representação das relações entre os
elementos do problema. Os dados foram coletados por meio de avaliação assistida.
Dessa forma, conclui-se que há necessidade de mudança na proposta escolar para
que a criança com hipotiroidismo congênito tenha efetividade no rendimento
acadêmico.
Unitermos: Resolução de problemas. Hipotireoidismo congênito. Avaliação
educacional. Cognição.

INTRODUÇÃO
A capacidade de pensar, raciocinar, formular hipóteses, representar mentalmente
situações e operar sobre uma situação inicial visa à solução de problemas1. Para
isso, combinamos elementos do conhecimento, usando técnicas e conceitos
adquiridos para organizar a solução para uma situação nova. Nem toda situação
desafiadora caracteriza-se como uma situação problema. Quando nos encontramos
diante de um problema e conhecemos os elementos necessários para sua resolução,
seguimos automaticamente um roteiro de ação e assim agimos mecanicamente2.
A forma como entendemos a tarefa, processamos a informação e as relações mentais
que construímos são condicionadas pelas atividades propostas e, por isso,
influenciam e estruturam a capacidade de pensamento e de raciocínio e, em última
análise, a aprendizagem da matemática3.
Ao resolver situações-problema, o sujeito inventa a matemática e desenvolve a
capacidade de formalizar e organizar o pensamento. Assim, aos poucos, faz a
conexão da percepção da situação real e dos conceitos matemáticos, estabelecendo
uma base adequada para a aprendizagem das operações formais, conseguindo
aplicabilidade na vida real3. Utiliza as funções executivas relacionadas ao
córtex pré-frontal, caracterizadas basicamente pela capacidade de controlar,
direcionar, gerenciar e integrar as funções cognitivas, emocionais e
comportamentais na execução voluntária e consciente das ações necessárias para
administrar contingência, em função de um objetivo4-7.
O hipotireoidismo congênito caracteriza-se por alterações na função da glândula
tireóide ao nascimento, com consequente alteração das concentrações dos
hormônios tireoideanos. O diagnóstico de hipotireoidismo congênito pode ser
confirmado após triagem neonatal, com as dosagens séricas de TSH de 5,2 µU/mL e
T4 livre normal ou < 0,7 ng/dL. O hipotireoidismo congênito tem prevalência de
aproximadamente 1:3.500 e pode causar retardo mental se a reposição hormonal com
hormônios tireoideanos não se fizer logo após o nascimento8.
A falta de hormônios tireoideanos resulta em disfunção em áreas específicas do
cérebro, afetando a região parietal posterior, responsável pela localização
espacial; os lobos temporais inferiores, responsáveis pela identificação dos
objetos; o núcleo caudado, relacionado com a atenção; o hipocampo, associado à
memória, e pode resultar também em perda auditiva. Avaliações de pacientes com
hipotireoidismo congênito, mesmo identificados e tratados precocemente por meio
de triagem neonatal, demonstram que a inteligência alcança pontuações dentro da
normalidade. Entretanto, esses pacientes apresentam transtornos menores na
atenção, memória, percepção visuoespacial e linguagem9,10.
A modalidade de avaliação assistida é utilizada para obter informações sobre
processos cognitivos funcionais, disfuncionais e em vias de desenvolvimento, bem
como favorece a quantidade e o tipo de intervenção necessária para produzir
mudança no processo cognitivo11.
A avaliação assistida pode ser definida como um processo interativo de avaliação
baseada no funcionamento cognitivo e que procura avaliar o pensamento, a
percepção e a aprendizagem numa proposta de resolução de problemas. Diferente do
teste convencional, a avaliação assistida fica centrada nos processos, nos
instrumentos, na situação de avaliação e na interpretação dos resultados11. O
conceito de avaliação assistida é amplo, pois inclui várias teorias,
metodologias, funções e objetivos relacionados com as novas concepções de
inteligência e com as várias propostas de avaliação, tais como a avaliação
psicopedagógica dinâmica12 e a avaliação do processamento cognitivo com
resolução de problemas13.
Por meio da representação mental, o cérebro humano representa a realidade e as
experiências, organizando a simbolização. Com isso ocorre a elaboração do
conceito e a abstração da forma como é exigida para a resolução de problemas13.
No processo de integração das informações, para a resolução de um problema mais
complexo, ocorrem sucessivas mudanças na representação inicial. Essas mudanças
representacionais podem ocorrer em três instâncias: codificação, combinação e
comparação seletiva13. A informação real que os sujeitos percebem de objetos,
ideias e eventos são facilmente verbalizáveis, quando tentam resolver situações
problema, por meio da linguagem oral2.
Esta forma de avaliação pode ser utilizada como uma abordagem complementar à
avaliação padronizada, normativa, de modo a retratar um quadro global e acurado
do funcionamento cognitivo, uma vez que cada abordagem responde a questões
diferentes e complementares11.
Essas concepções teóricas baseadas na plasticidade cerebral da cognição humana
facilitam as novas medidas para avaliar as crianças diferentemente dos testes
convencionais. Dessa forma, o conceito de inteligência deixa de ser entendido
como uma habilidade inata e facilita a compreensão das diferenças individuais no
pensamento, na percepção, na aprendizagem, na solução de problemas e na
interação social. Todas as alternativas de resposta devem ser consideradas para
verificar o real desempenho em resolução de problemas, antes de inferir que são
decorrentes de uma incapacidade para aprender. Baseado nesta proposta esse
estudo procurou avaliar o funcionamento executivo em crianças com diagnóstico de
hipotiroidismo congênito na resolução de problemas.


RESULTADOS
Foram avaliadas 42 crianças com hipotireoidismo congênito, com idades entre 5 e
15 anos. Todas estavam matriculadas em escolas públicas do ensino regular, sendo
que a maioria cursava o ensino fundamental.
Muitas crianças não estavam habituadas a resolver a tarefa do modo como esta foi
apresentada no Roteiro de Observação Clínica Orientado para Aprendizagem e foram
necessárias várias estimulações. Após a compreensão da solicitação, houve
adequada interação da criança e a resolução ocorreu de modo tranquilo.
Durante a realização das atividades, as crianças procuraram conversar com a
examinadora ou brincar com o material. Os temas de interesse discutidos foram
programas de televisão, heróis preferidos e assuntos religiosos. Nessas
ocasiões, as crianças conseguiram expressar-se de maneira clara e precisa na
comunicação oral. Não foram observadas alterações nos processos de planejamento
e organização. As crianças demonstraram confiança em relação ao julgamento sobre
o próprio desempenho. Mostraram-se decididas e com capacidade de iniciativa,
porém demonstraram ansiedade, pois interrompiam os assuntos ou as atividades
iniciadas, tentando falar sobre o que realizavam. A maioria das crianças não
teve eficiência na produção final desta tarefa.
Na resolução de problemas, apesar de possuírem domínio dos conceitos necessários
para operar e resolver a situação e terem adequada recepção e ação exploratória,
a maior parte das crianças não conseguiu selecionar as informações necessárias
para a realização da atividade. Quando as crianças compararam e encontraram
diferença entre a resposta da solução do problema encontrada no relato oral e a
obtida no registro escrito, demonstraram ansiedade e desinteresse pela
continuidade na execução da tarefa. Essa situação provocou insegurança nos
participantes, pois embora dominassem os conceitos pedagógicos exigidos para a
execução da tarefa, eles realizaram ações corretivas tentando corrigir a
resposta emitida. A maioria das crianças mostrou baixo nível de eficiência, não
acertando os cálculos efetuados. Demonstraram desempenho inadequado na recepção
da informação, na ação exploratória e na representação inicial.
Houve dificuldade em integrar, categorizar e estabelecer a representação das
relações entre os elementos do problema. Os dados foram coletados de forma
assistemática, saltando a lógica que organiza e leva diretamente para uma
resposta adequada.
Os indivíduos com hipotireoidismo congênito realizaram constantemente uso de
recursos manipulativos para certificar a solução encontrada. Não fizeram uso de
estratégias para garantir a coerência das informações e isso interferiu nos
processos cognitivos que processaram uma quantidade limitada de informações
dentre o grande montante de elementos disponíveis, comprometendo a execução
final da tarefa.
Em cada uma destas etapas, as crianças com hipotireoidismo congênito foram
capazes de autorregular suas ações cognitivas, embora na resolução final da
situação-problema não conseguissem acessar as informações codificadas. Ficou
evidenciado o comprometimento efetivo na execução final da tarefa proposta.


CONCLUSÃO
Nesta avaliação, as crianças com hipotireoidismo congênito apresentaram
alterações nos processos executivos, demonstrando dificuldades de processamento
de informação. Esse processamento é de grande influência sobre as atividades
escolares das crianças, especificamente na solução de problemas e exercícios
realizados nas atividades matemáticas. Estas alterações podem dificultar um
adequado rendimento acadêmico, sendo importante o uso de recursos pedagógicos
diferenciados na matemática escolar para as crianças com hipotireoidismo
congênito.
Rev. psicopedag. vol.26 no.81 São Paulo  2009

Anelise CaldonazzoI; Paula Fernandes; Tatiana de Sá Riech; Carolina Santos;
Maura Mikie Fukujima Goto; Maria Tereza Baptista; Gil Guerra Jr.; Sofia
Lemos-Marini; Lília D'Souza-Li
IFarmacêutica; Bioquímica; Pedagoga; Neuropsicopedagoga; Mestre em Saúde da
Criança e do Adolescente

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